quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A volta da gramatiquice

Nilson Lage *, Jornal do Brasil
FLORIANÓPOLIS - Parece que a iniciativa foi do Pasquale, ao responder à pergunta de um espectador, em programa na TV, em 2004. Que pena! Até simpatizo com ele (já o defendi, em outra oportunidade) por sua tentativa de encontrar um ponto de acordo viável entre o português de casaca e o português de sandálias de dedo. Mas dessa vez foi além das chinelas e quebrou a cara, com Rede Globo e tudo.
“Risco”, .palavra de etimologia nebulosa, tem vários sentidos. Na linguagem jurídica, é “perigo de perda”. A expressão “risco de vida”, nesta acepção, transitou da linguagem cartorária para os textos legais (figura em milhares de leis, decretos e portarias) e daí para o que duvidosamente se chamaria de “norma culta”.
Nada de novo. O mesmo aconteceu com uma infinidade de outras formas linguísticas.
Se as línguas naturais não fossem constituídas de expressões ambíguas, que admitem extensões, metonímias e metáforas, cada ente e cada relação entre entes teria uma denominação, formando um acervo enorme (isto é, tão grande quanto se queira) que, somado à árvore de acesso, exigiria muitos bilhões de neurônios a mais.
Ao tentar substituir “risco de vida”, propuseram “risco de morte”. É algo que, para bem dizer, não sobrevive. “Risco de morte” seria a ressurreição, já que a morte estaria em risco... de viver. Em “risco de morrer”, a palavra “risco” tem outro sentido, de “perigo”, até porque um verbo (“morrer”), sendo a designação de processo, não pode estar “em risco”.
O paradigma é o de casa em chamas>chamas da casa, montanha em erosão>erosão da montanha, filme em exibição>exibição do filme – em suma, ente em processo>processo do ente.
Outro caso é o de “vítima fatal”. A bem dizer, o adjetivo “fatal” exige núcleo nominal agente: disparo fatal, acidente fatal, armadilha fatal etc. No entanto, essa expressão aparece mais de 100 mil vezes na listagem do Google; pode-se, então, dizer que é de uso corrente.
Como seria possível descrevê-la? Trata-se de inversão tal que o núcleo nominal agente torna-se paciente da ação descrita pelo adjetivo; em outras palavras, o nome deixa de ser agente (o disparo) para ser paciente (a vítima) da fatalidade.
Transposições assim não são novidade. Quem lê Machado de Assis encontra com frequência a construção paciente - “aborrecer” - agente. Por exemplo,. “Marina aborrece a ausência de Mário”. Hoje, essa estrutura inacusativa inverteu-se. Assim, “a ausência de Mário aborrece Marina”.
Será que vale a pena impugnar uma construção usual por causa de tais detalhes? Não parece preocupação medíocre quando temos problemas muito sérios de aprendizagem e uso da língua? Exigências dessa ordem não representam desestímulo para quem pretende expressar-se por escrito? Não parece a gramatiquice chata dos sabichões que há um século andavam catando galicismos e discutindo se o certo é “ele me pode dizer”, “ele pode me dizer” ou “ele pode dizer-me”?
* Nilson Lage é jornalista e professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem bacharelado em Letras e ´é mestre em comunicação e doutor em linguística.
21:50 - 04/09/2009

Um comentário:

  1. Fazendo correção do artigo sobre expressão coloquial " risco de morte", onde o autor, equivocadamente, dá como origem professor Pasquele como seu criador. Se puder, democraticamente, publicar a mesma mensagem que envie ao professor Pasquele, esclareceria seus leitores, e ficaríamos, como brasileiros, melhor informado, e seu "saite" da mesma forma. Obrigado, se assim quiser corretamente faze-lo.
    ** Professor Pasquele, vou me apresentar. Fui eu, à 10 anos mais ou menos, que enviou a sugestão desta nova expressão "Risco de Morte", para rede globo e tv cultura. Você fala, e me defende nesta nova expressão, então para, talvez, melhor esclarecimento, ela não existia. Até na Bíblia sempre foi utilizado na forma de elipse, como bem explica. Brinco em dizer, que nem no livro dos mortos, egípcio. Sei que todos lhe criticam por defender esta nova forma de expressão coloquial, por isso me solidarizo, e lhe autorizo informar a fonte que originou. Um brasileirinho, ex-metalúrgico, que trabalhou na mesma unidade fabril de Lula (Vilares SBC). Fomos muito castigados nas críticas, talvez, por sermos também brasileiros, não literato (no meu caso).
    Pessoa que não tinha o que fazer, que não conhece literatura e Machado de Assis, Dicionários não possuem esta expressão, compêndios de medicina legal, Constituição Federal, criador de "Nova Língua", expressão não existente nas línguas estrangeiras, alemão, francês inglês, etc, e até em Portugal. Foram diversos artigos e debates, Revista Veja, "saites" para vestibular diversos. O pior foi do Observatório da Imprensa, adjetivando-nos como uma espécie de "nazistas" da língua, em querer dominar a civilização com este novo termo (absurdo, se quiser posso enviar-lhe como tive a ideia de cria-la)O resumo, é que todos que nos criticaram, agora já a utilizam normalmente, em seus artigos. Até a teve cultura, fez um filme, em forma de teatro, específico, e cita principalmente, o mesmo que você. Esta expressão é menos usada estatisticamente. Desculpe, ma é claro que é menos usada, por simplesmente não existir anteriormente. Aí esta a explicação, menos empregada, por não existir, nem no livro dos mortos. Então, esta tese, não é muito exata para uma nova palavra, em termo estatístico. O que você acha ? O principal é que foi criada por um ex-metalúrgico, que não é assessor da rede globo, de sua cúpula, nem um literato, professor, etc, o que pode a vir demonstrar, que com um pouco de observação, e tendo você e as redes televisivas, podemos eleger até presidente. O equívoco parece ser o mesmo, em diversos "saites" que tenho visitado. Abraços, eduardo de sbc.**

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